quarta-feira, 4 de março de 2009

O que sobrou do porão






Cravada entre as belíssimas estações da Luz e Júlio Prestes, no centro de São Paulo, existe um bonito e antigo prédio (foto acima) avermelhado, com vitrais antigos e muito bem cuidado. Projetado por Ramos de Azevdo (o mesmo arquiteo, que entre outras coisas, desenhou o Teatro Municipal) em 1910 o edifício foi por muitos anos o DOPS (Delegacia da Ordem Política e Social), um dos principais centros repressores da ditadura militar (1964-1985).

Para lá eram mandados todo e qualquer tipo de "subversivo", que na maioria das vezes sofriam torturas mentais e físicas, além de uma parcela deles "desaparecerem" até hoje.
Durante os anos de chumbo o Dops teve como estrela maior o Delegado Sérgio Paranhos Fleury (morto em estranhas circustâncias em 1979) e foi dirigido em sua fase final pelo então Delegado Romeu Tuma (o mesmo que hoje é senador).
O Prédio

Desde 2007 sob chefia da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o prédio foi todo reformado e passou a abrigar a "Estação Pinacoteca". Nada mais que um espaço para obras de artes e exposições. Assim como a Pinacoteca do Estado, que por sinal fica ali perto.

Porém, o governo teve o cuidado de reservar um espaço no térreo para criar o "Memorial da Resistência", que nada mais é do que alguns painéis explicando a utilização do prédio, uma retrospectiva do finado Dops (extinto em 1983) e o único espaço que não foi reformado do prédio. Um corredor com quatro celas utilizadas pela repressão para prender e torturar.

As sobreviventes



Este corredor, da foto acima, é a parte mais tenebrosa do edifício. Que não lembra em mais nada o velho ocupante. Tudo está muito clean e reformado. Menos o corredor das celas. Ali, a luz baixa e o som de canções da década de 1960 e 1970 ajudam a tornar o ambiente mais sombrio. As celas em si são um esptáculo da tristeza. Janelas caindo aos pedaços, junto com portas jurássicas. No meio, um pilar, que provavelmente era usado como "tronco" pelos agentes. Banheiro e o que restou do banho de sol (a maioria das celas e do espaço de sol foram demolidos nos anos 80). Um clima deprimente realçado por anotações de presos políticos nas paredes.

Nessa hora, comecei a pensar em algo surreal: "E se essas portas falassem? Essas celas?" Já que os arquivos da ditadura continuam proibidos ou foram destruídos. E os agentes da repressão ainda vivos nada falam e se escondem como os "subversivos" de outra época. Por quê? É um mistério sem fim.

Na saída, vejo fotos da época em que o Dops era um orgulho nacional. Uma época de extremismos. Ou tudo ou nada. Ou amigo ou inimigo. Era amar ou deixar.

Me despeço do belo prédio com fotos. Ele não tem culpa. Foi projetado para ser a sede da Railway Sorocabana. E quantas pessoas não passam por ele e apenas o acham mais um desses "mausóleus" da cidade?

A vida continua. Mendigos dormem, bebem e xingam. Motoristas apressados. Cortiços por todos os lados. Dobro a esquina e vejo a Luz. E aquela réplica do Big Ben londrino. Ela está sempre lá, jogando luz em direção ao Largo General Osório, 66. O Dops.

Um comentário:

Fabio Camargo disse...

É mano brown! Imagino se eu estivesse vivo na época. Ia levar um sacode nervoso do DOPS, porque eu não conseguiria ficar quieto no meu canto, hahahaha!!!

Ótimo texto, como sempre, Caio! Escreve bem com uma facilidade incrível.

Abraço!!