O primeiro de maio de 1979 já era diferente dos anteriores. Era o primeiro em anos sem o AI-5, no ABC metalúrgicos em greve desafiavam os militares. O Brasil era governador há poucos meses por João Figueiredo, o último dos presidentes militares e São Paulo estava há 2 meses sob o comando de Paulo Maluf, candidato que venceu as eleições contra a vontade de Brasília.
No epicentro disso tudo estava a abertura política. O fim das perseguições, a anistia "ampla geral e irrestrita". O país já não era o mesmo do começo da década e em mais um sinal que as coisas estavam mudando foi que no mesmo 1. de maio morria em circustâncias estranhas e mal explicadas até hoje, afogado nos mares de Ilhabela, o delegado e então diretor do DEIC Sérgio Paranhos Fleury. Símbolo máximo da tortura e do terror dos anos de chumbo do país.
DOPS
Fleury fez carreira no temido DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) que era um departamento da polícia cívil, como tantos outros. Isso até o golpe de 1964, quando o poder central resolver utilizar os DOPS estaduais para a caça de opositores armados ao regime. Nesse ambiente, pós AI-5, Fleury brilhou. Com sua equipe, liderou o "Esquadrão da Morte" e era o policial que mais mostrava serviço. O que mais prendia, o que mais torturava e também contava com um excelente sistema de informações e informantes. Contando com o apoio logístico do exército, DOI-CODI e claro com o setor de informações do próprio departamento, comandado por Romeu Tuma.
Cooptado pelos militares, Sérgio Fleury era temido e respeitado por todos os escalões de segurança do país. Participando de importantes ações, como as mortes de Marighella e Lamarca, e desfrutando do convívio e dos segredos do alto poder do país. Fleury se tornou maior que seus superiores na Policia Cívil de São Paulo e, com a fama, criou vários inimigos.
A IDA PRO DEIC; A LIGAÇÃO TUMA-FLEURY
Da esq pra dir: Sérgio Fleury, Henrique Perrone e Romeu Tuma: Policiais do DOPS
Acusado frequentemente e em dezenas de processos sobre mortos políticos ou bandidos comuns, o Dr. Fleury sempre era inocentado das acusações. Ninguém tinha coragem de prender o "Papa" (apelido do delegado no meio policial-militar), mas mesmo assim as notícias sobre seus indiciamentos pipocavam a toda hora e constrangiam a cúpula da segurança paulista naquele 1977 em que se aspiravam as primeiras mudanças no cenário político. Por causa disso e também por atritos com outros policiais, Sérgio Fleury foi promovido a diretor do DEIC (Departamento Estadual de Investigações Criminais), saindo da linha de frente do DOPS e também das denúncias de torturas. No velho prédio da General Osório assume como diretor o delegado Romeu Tuma, que comandaria o departamento até sua extinção em 1983. Tuma e Fleury eram amigos - inimigos íntimos. Eram jovens e ascenderam à classe especial (o topo da carreira) de forma veloz. Fleury era o homem de operações e Tuma o das investigações e informações. Duelavam o tempo todo para obter o maior respeito e o comando do DOPS. Ao que tudo indica, o hoje Senador ganhou a disputa. Pois se tornou diretor do departamento, cargo que Fleury ambicionara, mas só exerceria no Deic.
Romeu Tuma é um túmulo quando se fala da sua passagem pelo DOPS. Nunca se viu nenhuma declaração dele. Parece que apagou essa passagem de sua memória. A um pedido de entrevsita sobre o assunto e sua amizade com Fleury, o senador foi enfático: "Não falarei, por motivo de agenda". Uma pena. Tuma deve saber muita coisa daquela época.
A TENTATIVA DE LIMPEZA DE IMAGEM ; A MORTE OBSCURA
Fleury acima de tudo tinha alma de policial. E a alma de um policial é sempre a de caçar bandidos e proteger a sociedade. Foi assim que ele fez a vida inteira. Seja com criminosos comuns ou com criminosos políticos. Para ele, não havia diferença. Era bandido e pronto. Livre dos comunistas do DOPS e notando a mudança dos tempos, o delegado reolveu mudar a sua imagem. De truculento e torturador para um policial ágil, eficiente e principalmente: Produtor de resultados (e dessa vez sem tortura). Durante os anos na frente do Deic, Fleury e sua equipe desvendaram miraculosos sequestros, penderam assaltantes perigosos e aumentou - e muito - a produtividade da delegacia. Estava tentando mudar sua imagem, mas talvez era tarde demais.
Na madrugada de 1/05/1979 Fleury estava em sua lancha e resolveu atravessar para a lancha de um amigo quando tropeçou, caiu e morreu afogado. Estranho, já que Fleury sabia nadar e muito bem. Além disso, por ordens superiores não se pôde fazer a autópsia no corpo do delegado. Era afogamento e pronto. Aos 45 anos morria um dos mais famosos homens do país. Seu enterro, em São Paulo, teve honras de estado, com direito ao governador Maluf e o diretor do DOPS Romeu Tuma carregando o caixão do falecido. Salva de tiros e pronto. Estava enterrado e , ao mesmo tempo, criado outro mistério dos anos militares e que dura até hoje.
TEORIAS CONSPIRATÓRIAS; FLEURY, UM POLICIAL
Desde então as teorias mais diversas povoam o noticiário e o imaginário popular. Envenenamento, tiro e outras coisas milaborantes são levantadas. Fleury tinha muitos inimigos, naqueles tempos de abertura política não seria vantajoso para os militares manter um homem tão ligado à tortura vivo e com poder. Pode ser? Pode.
Mas dificilmente sairemos dessa versão oficial. A maioria dos envolvidos na época já morreram e levaram com eles os segredos dos porões, os que estão vivos não falam. Parecem querer levar para o túmulo o que sabem. Em um país que tem medo de lida com seu passado recente, isso até que é normal.
A pergunta a se fazer é: E quantos Fleurys por aí não existiram? Quantos ainds estão vivos e não desconfiamos de seu passado. O maior erro de Fleury foi se deixar levar pelo ideário do governo de então, ua vez que aquele momento passaria e ele e sua carreira também não. O chefão do DOPS deixou-se colar sua imagem com o que havia de pior na ditadura militar. As prisões, as torturas e os porões. Com essa imagem, dificilmente o delegado escaparia daquela época. Como não escapou. Mais esperto foi Tuma e alguns outros que nunca tiveram fama nenhuma e hoje são bem vistos pela população.
Sem entrar no mérito das ações e tentando analisar o período com distância histórica. No fundo eram apenas policiais. Fleury era apenas mais um deles.